Há algumas décadas o Serviço de Psiquiatria da Santa Casa de Campo Grande – MS, era conhecida no Brasil, como referência em tratamento aos doentes psiquiátricos, e na excelência da formação em recursos humanos. Tudo isto era fruto de uma visão moderna, e competente na previsão das necessidades humanas para o mister de tratar dos doentes psiquiátricos.
Atualmente, as suas instalações estão deterioradas, com vazamentos nos cômodos, com as paredes mofando, além da diminuição dos atendimentos, os recursos de manutenção minguando, prenunciando o término das atividades do Serviço.
A política criminosa do Ministério da Saúde em relação aos doentes psiquiátricos trouxe, prejuízos à população de uma forma geral, e aos doentes psiquiátricos de uma forma particular, contribuindo para a deterioração dos Serviços em nível nacional e particularmente na cidade de Campo Grande.
Baseado numa ideologia com fundamentos falsos, mas atraentes para uma parcela de profissionais, e que se apossaram das ideias e procedimentos falsos, como a de que não existiam doentes psiquiátricos, e sim pessoas com uma forma diferente de ser; ou ainda de que o responsável pela doença eram as características da sociedade.
Por outro lado os governos de uma forma geral não acompanharam os avanços científicos. como a psicofarmacologia que mudou a epidemiologia psiquiátrica. Com este descompasso alguns países, entre eles o Brasil, fizeram com que os doentes não se beneficiassem com os novos conhecimentos.
Baseado nesta ideologia e amparados pelo contexto político foram desativados mais de 90.000 leitos psiquiátricos no Brasil, sem que houvesse a criação de alternativas que pudessem cuidar e tratar dos doentes, mas havendo aumento da população da (na), rua e no sistema penitenciário.
Durante todo este tempo o Ministério da Saúde orientava, mas sem dar suporte, sem financiar, embora cantasse loas às Unidades Psiquiátricas em Hospitais Gerais, como uma forma de “desmontar os hospitais psiquiátricos”, tendo como uma das alternativas estas Unidades .
Mesmo antes destas orientações o Serviço de Psiquiatria da Santa Casa de Campo Grande já apresentava uma Unidade Psiquiátrica, com 30 leitos de internação integral, ambulatório, hospital dia, emergência psiquiátrica em emergência geral.
Foi a segunda unidade no Brasil com estas características, fora dos Hospitais Universitários, foi um dos primeiros serviços a organizar um hospital dia. Esta Unidade tornou-se referencia no país pela agilidade, pela eficácia do tratamento, além de servir de Unidade de Ensino sendo ali instalada o primeiro programa de residência em psiquiatria no centro – oeste; por tornar-se um centro de formação e treinamento para psicólogos, assistentes sociais, enfermeiros e terapeutas ocupacionais.
Durante anos, os dados estatísticos da Saúde Mental do Estado de Mato Grosso do Sul, eram os dados do Serviço de Psiquiatria da Santa Casa de Campo Grande. Também era o único local em que os pacientes não pagantes eram atendidos. Com a instituição das AIS, SUDS e até desembocar no SUS, passou a imperar a ideologia petista, que, além das orientações criminosas da Coordenadoria de Saúde Mental do Ministério da Saúde deixou de haver a preocupação com a saúde, e com os atendimentos dos doentes psiquiátricos.
Houve a convergência de uma série de fatores que conspiraram contra o serviço. O primeiro deles é que era impensável um serviço de psiquiatria num hospital geral, misturar pessoas de outras clínicas com “loucos”, coisa ainda difícil de aceitação mesmo ainda hoje; a localização privilegiada do Serviço em que leva à muitas especulações inclusive imobiliárias e que tal local não deveria ser destinada a uma unidade psiquiátrica; a caolhice dos gestores da saúde em considerar que tal unidade não traz lucros, e portanto, não deve ser mantida; e principalmente a política criminosa do Ministério da Saúde que consideram desnecessária a existência de leitos, por considerar que para o tratamento dos doentes basta “conversar” com eles.
Assim, esta unidade recebeu auxilio de um ex-governador para a sua reforma, teve todas as suas instalações reformadas, e com condições não apenas de atendimento, mas também da realização de eventos de pequena monta, e as aulas para as pessoas das diferentes profissões, passou a correr risco de fechar, mesmo considerando toda importância que teve e tem para a saúde mental de Campo Grande.
Com esta confluência de fatores o serviço foi-se deteriorando, sem conseguir nenhum suporte, nenhuma ajuda para a manutenção de suas instalações. Hoje, novamente o serviço necessita de apoio e de reconhecimento, negado seja pela direção do estabelecimento hospitalar, seja pelas instâncias gestoras de ordem municipal ou estadual. Quanto à federal, bem, esta instância continua sendo comandada pela ideologia, que tanto mal fez para o Brasil nos últimos 20 anos, e que, infelizmente, não temos a expectativa de mudança tão brevemente.
Desta forma os pacientes ficam sem atendimento, sem tratamento, engrossando a população na (da) rua ou do sistema penitenciário, privados do primeiro direito que é o de ser reconhecido como gente e como gente ser tratado.
E ninguém é punido por isto.
Juberty Antonio de Souza
Psiquiatra – CRM MS 996 RQE 323
Presidente da Academia de Medicina de Mato Grosso do Sul